domingo, 12 de agosto de 2012

Soldadinhos de chumbo

Felizes dos que caem para sempre. Koji Wakamatsu explica porquê. Sem ambiguidades. Simplesmente porque é assim. Limita-se a contar-nos a verdade das coisas. Neste caso da guerra. Num filme notável, intitulado “O Bom Soldado”, o cineasta japonês conta-nos a história de um tenente do Exército Imperial que regressa a casa mutilado durante a II Guerra Mundial. Ferido com muita gravidade na China – não na sequência de actos heróicos mas após ter praticado violação e assassínio -, o tenente Kurosawa (numa interpretação notável de Shinobu Terajima) é depositado com todas as honras militares no lar, onde a mulher (Keygo Kasuya, num papel formidável) o recebe entre o espanto e o horror ao verificar que o marido não tem pernas, nem braços, que não fala, está surdo e terrivelmente deformado. Totalmente dependente da mulher, mesmo para as coisas mais íntimas, como urinar, defecar ou fazer amor (por esta ordem), Kurosawa (sim, não ficou impotente) é exaltado por todo o Japão, que louva o seu sacrifício em nome do país e do imperador. Ele é o bom soldado, sendo elevado à categoria de deus da guerra. O casal Kurosawa, endeusado em vida, sofre em silêncio com a sua miséria. Wakamatsu leva os japoneses a interrogarem-se sobre os sacrifícios feitos em nome do Japão e do imperador. Durante seis anos o tenente é forçado pela esposa a redimir-se de todos os pecados. Da violência, da gula e da luxúria. Por fim, opta pelo suicídio, afogando-se num charco contíguo à casa para onde conseguiu arrastar-se. “O Bom Soldado” (muito melhor tradução seria “O Deus da Guerra”, pois Kurosawa nada tem de bom…) obriga-nos a reflectir sobre a guerra, que Wakamatsu eleva à sua real condição de Mal Absoluto. Não há heróis, não há causas. Apenas um Mal imenso que permanece escondido em nome de obscuros interesses nacionais. Não nos deixemos iludir. Casos como o do tenente Kurosawa existiram com abundância em todas as guerras. E continuam a existir. Dos mais de 33 mil jovens soldados americanos feridos no Iraque e no Afeganistão, cerca de um terço são grandes mutilados (desmembrados, cegos, impotentes), escondidos nos corredores do Walter Reed Army Medical Center, nas cercanias de Washington, antes de serem enviados para casa. Wakamatsu é impiedoso. Brutal. Mas é honesto. Porque a guerra é assim. Sempre foi. Felizes dos mais de 6700 americanos que caíram para sempre no Iraque e no Afeganistão. Que regresso a casa vai ser o dos mais de 10 mil grandes mutilados jovens americanos? Em nome de quê? Por que não contam a sua história? E a dos outros 70 mil (reconhecidos oficialmente) que sofrem de stress pós-traumático e que jamais terão uma vida normal? Por que nos mentem? Por que não contam a verdade? Por que não filmam os corredores do Walter Reed Center? Diz-nos e bem Wakamatsu: se dissessem a verdade sobre o que é a guerra todos fugiriam dela a sete pés. Não haveria mais soldados e não haveria mais guerras.

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