quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dois países


Os Portugueses estão a perder o sentido da realidade das coisas. Cada vez mais, há dois países – um pequenino, onde uma escassa minoria vive na opulência; outro enorme dentro da pequenez deste retângulo e que abarca a hoje esmagadora maioria dos pacóvios que habitam este quintal mal amanhado e que fazem o que podem para sobreviver um dia para voltarem a lutar no dia seguinte.

Tive uma perceção clara deste estado de coisas a assistir ao “Milionário Alta Pressão”, apresentado por José Carlos Malato, personagem com quem simpatizava e que, gradualmente, se transformou num pedante e pretensioso sem par, porventura para compensar a sua inabilidade para os talk-shows com que sonhou.

Perante um concorrente vindo de Vila Nova de Foz Coa, um jovem simpático, simples como só as gentes do interior ainda sabem ser, Malato perguntou: “Estava aqui a ver por onde andou... ó homem, você só foi a Paris?... Tem pouco mundo, hein? Com a sua idade já deveria conhecer mais coisas...”. O rapaz encolheu os ombros, envergonhado, e calou-se, resignado perante o enxovalho. Terá porventura pensado: “Pois, se eu tivesse o teu guito...”.

Pois é. Não foram só os bichas que perderam a vergonha. Os ricos também (embora no caso presente a verdade se adeque a ambas as vertentes...). Com o País a rebentar de miséria (só não vê quem não quer...), existe hoje um completo despudor – jóias, festas, iates, ferraris, mansões... tudo é mostrado às escâncaras, para que os pobrezinhos se roam de inveja.

Mal-educados, mal-formados, os novos-ricos não se coíbem de exibir a sua prosperidade, obtida na maioria dos casos à custa do zé-pagode, como sucede no caso dos gestores, que ganham numa hora o que muitos trabalhadores suam para receber num ano.

É o caso de Proença de Carvalho, o “responsável” com mais cargos entre os administradores não executivos das companhias do PSI-20, e também o mais bem pago. O advogado é presidente do conselho de administração da Zon, membro da comissão de remunerações do BES, vice-presidente da mesa da assembleia geral da CGD e presidente da mesa na Galp Energia. E estes são apenas os cargos em empresas cotadas, já que desempenha funções semelhantes em mais de 30(!) empresas.

Considerando apenas estas quatro empresas (já que só é possível saber a remuneração em empresas cotadas em bolsa), o advogado recebeu 252 mil euros. Tendo em conta que esteve presente em 16 reuniões, Proença de Carvalho recebeu, em média e em 2009, 15,8 mil euros por reunião. É obra!

A lista de “responsáveis” como Proença de Carvalho é imensa, nela avultando nomes como António Nogueira Leite, José Pedro Aguiar-Branco, António Lobo Xavier e João Vieira Castro, também eles “trabalhadores” incansáveis e, claro, regiamente pagos. Para se ter uma ideia da magnitude do que esta gente recebe, basta ver que por cada reunião do conselho de administração das cotadas do PSI-20, os administradores não executivos - ou seja, sem funções de gestão, ou seja, os que nada fazem... - receberam em 2009 a módica quantia de 7427 euros. E é uma lista sem fim...

A isto acresce o que todos sabemos: salários e mordomias de príncipe para os altos cargos da Função Pública, das fundações, dos institutos, da RTP. É um fartar-vilanagem de tal ordem que não me surpreende que essa gente se espante que haja um Português que, do mundo, só conhece Paris...

Eles, os nababos, conhecem tudo. De fato, só os cinco mil milhões de euros que roubaram no BPN e vão ser pagos por todos nós dão para muita limousine, muita jóia, muita festa nos casinos. Os outros, os Portugueses que do mundo só conhecem Paris, ficam do lado de fora, a vasculhar os restos nos caixotes do lixo.

Portugal, dois países de costas voltadas. Até ao dia em que se olhem nos olhos e desatem aos tiros. Estúpidos.



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